quinta-feira, 2 de abril de 2009

Artigo: Violência Policial: um retrato da impunidade

“O controle da violência, particularmente da violência praticada pelas Forças Armadas e pela polícia, é uma das condições necessárias para a consolidação do estado de direito e de regimes políticos democráticos”, segundo J. Linz & Stepan. Assim, a impunidade de homicídios (supostos autos de resistência) cometidos por policiais comprometem o Estado Democrático de Direito, com isso, temos um modelo de Estado que, contraria seus pressupostos fundamentais.
O presente artigo visa indagar sobre as políticas públicas concernentes à segurança pública, a associação entre violência policial e o número de mortalidade por homicídio, em Salvador e cidades da Região Metropolitana.
A segurança pública deve garantir a proteção dos direitos individuais e assegurar o pleno exercício da cidadania. Neste sentido, a segurança não se contrapõe à liberdade e é condição para o seu exercício, fazendo parte de uma das inúmeras e complexas vias por onde trafega a qualidade de vida dos cidadãos.
As instituições responsáveis por essa atividade atuam no sentido de inibir, neutralizar ou reprimir a prática de atos socialmente reprováveis, assegurando a proteção coletiva e, por extensão, dos bens e serviços.
Desde a transição para a democracia, o apoio governamental ao uso da violência policial como instrumento de controle político diminuiu no país e praticamente desapareceu nos estados das regiões Sul e Sudeste.
Embora essa modalidade de uso da violência policial tenha diminuído, a violência policial, enquanto tal não desapareceu, passando a ser usada sobretudo como instrumento de controle social e mais especificamente como instrumento de controle da criminalidade.
Além disso, com o declínio do uso político da violência policial, o problema da violência policial se tornou mais visível, ou melhor, emergiu como um problema diferente e independente do problema da violência política, afetando não apenas os oponentes do governo ou do regime político, mas também, e principalmente, a população pobre e marginalizada.
A juventude masculina negra é o principal grupo vulnerável à violência urbana e policial de Salvador e Região Metropolitana (RMS), representando a maioria das vítimas de tortura e de homicídio, segundo dados do jornal A Tarde, os mortos pela polícia, em 93% dos casos, são jovens afrodescendentes.
Isso se deve a lógica assassina da cultura repressiva brasileira – negro é bandido, logo deve ser morto – demonstra duas premissas do policiamento em nosso país: a naturalização do extermínio e a criminalização do negro, que, pela construção racista de estereótipos e estigmas raciais, é abordado, humilhado, espancado e em grande número, como o jovem estudante do circo Picolino, assassinado ao ser confundido com um bandido quanto jogava futebol com os amigos.
As práticas policiais sofreram poucas mudanças no decorrer das ultimas três décadas. Sua principal característica tem sido o uso excessivo da força, expresso, por um lado, na desproporcionalidade de agentes por caso, em média, e, por outro, nas altas taxas de letalidade em que resultam os confrontos.
Fica clara a popularidade de atos de extermínio, por exemplo, o slogan da corporação da Caatinga, “o pai faz, a mãe cria e a Caatinga mata”, que remete a musiquinha do BOPE do Rio de Janeiro, popularizada com o filme Tropa de Elite, “homem de preto, qual é sua missão?/ entrar pela favela e deixar corpo no chão/ homem de preto, que é que você faz?/ eu faço coisas que assustam o satanás”.
Músicas como Veraneio Vascaína, da década de 80, já alertavam para essas atividades “cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio/ toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho/ com números do lado, dentro dois ou três tarados/ assassinos armados, uniformizados/ porque pobre quando nasce com instinto assassino/ sabe o que vai ser quando crescer desde menino/ ladrão pra roubar, marginal pra matar/ papai eu quero ser policial quando eu crescer”.
Práticas inaceitáveis para um Estado democrático, que nos remete a ditadura militar e ao genocídio de negros durante a escravidão. Os crimes praticados por agentes do Estado contra essa população, criam dois cenários convergentes, a incorporação de policiais cíveis e militares a grupos de extermínio, alguns ligados ao tráfico de drogas, outros são os “justiceiros”, que acreditam estar contribuindo para um mundo melhor ao tirar o “lixo” das ruas.
Além do abuso de autoridade e de seu envolvimento de práticas delituosas, por exemplo, o envolvimento de policiais com o crime organizado e extorsões. Outra característica destes crimes, através da lente da imprensa escrita, é a impunidade. Muito pouco se ouve falar a respeito da punição aplicada a agentes envolvidos em confrontos que resultam em mortes, muitos deles caracterizados como execuções.
Esses atos são extremanentes preocupantes, em parte porque é praticada por agentes do Estado que têm a obrigação constitucional de garantir a segurança pública, a quem a sociedade confia a responsabilidade do controle da violência.
Em Salvador, as causas de homicídios são ascendentes. Entre 1998 e 2004, foram assassinadas 6.308 pessoas. Dessas, 5.852 eram negras. Em 2007, de acordo com o Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep), publicados no jornal A Tarde, foram registrados 1.337 assassinatos: 370 a mais do que em 2006 (967 mortes).
Apenas no primeiro trimestre de 2009 foram registrados pela Cedep, 452 assassinatos na região geograficamente delimitada nesse estudo, sendo 82,1% atingidas por armas de fogo. Esses dados não contemplam os autos de resistências – casos de pessoas mortas pela polícia, em alegadas trocas de tiros. Segundo o A Tarde, nos 85 dias desse ano, 72 óbitos foram desse tipo de ocorrência, chegando há 524 homicídios em Salvador e RMS.
Como conseqüência da intensa repressão, prisões arbitrárias e autos de resistência forjados, elevaram-se de modo proporcional o número de policiais assassinados. Dados da Secretaria de Segurança Pública indicam que, de janeiro à agosto (2008), para cada policial morto, pelos menos três autos de resistência foram registrados na Polícia Civil. Em 2008, ocorreram em média, a cada mês, 7,5 autos de resistência, números maiores que em 2007 (6,3) e 2006 (5,5). Este fato tem sido usado como justificativa para ações de extermínio por parte da polícia.
Segundo a Cedep, pela Lei, resistência seguida de morte não existe na constituição, há apenas homicídios, então esses casos não são contabilizados. Embora, a fiscalização da atividade policial, tenha sido adotada pelo constituinte de 1988, e esteja previsto no artigo 129, inciso VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e está inserido na legislação infraconstitucional, pela Lei Orgânica do Ministério Público da União, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos Estaduais.
O controle externo pelo Ministério Público apresenta-se como um instrumento imprescindível para a fiscalização do trabalho das Polícias, devendo respeitar os direitos fundamentais do cidadão e as demais normas legais. Contribuindo assim, para evitar omissões e eventuais abusos nas atividades investigatórias.
Entretanto, segundo informações do jornal “A Tarde”, com base nos dados do Cedep, a cada dez inquéritos instaurados por crimes de homicídio em Salvador e região metropolitana, apenas três são encaminhados ao Ministério Público para abertura de processo contra os acusados. Dos 6.582 homicídios que aconteceram em Salvador, nos últimos cinco anos, 4.542 ficaram impunes e não tiveram o inquérito remetido ao MP. Ou seja, cerca de 70% dos crimes de homicídio sequer são investigados.
Segundo Hamilton Borges, ativista dos Movimentos Sociais, citado no artigo de Márcio Viana, (...) “o que foi instituído desde o Palácio de Ondina foi à política repressora de controle da pobreza, alegando-se, cinicamente, combate ao tráfico e ao crime organizado. Com essa política triplicou-se o temor pelas ruas de Salvador e o clima de guerra aumentou sua intensidade justificando uma atitude bélica e irresponsável do Estado, que executou centenas de jovens negros nos bairros pobres sob a alegação de “resistência à prisão".” (...)
Diáriariamente, esse circo de horores pode ser acompanhados em progamas de televisão, como o “Na Mira” da TV Aratú e “Se Liga Bocão”, da TV Itapoan, que insita a violência, e tem um discurso ideológico defensor da violência, como forma de controle da violência. Soltando bordões, ameaças ao telespectadores, gritos, e frases como “socorro, meu Deus eu não quero morrer”, “o sistema é bruto”, “aqui não é o Xuxa Parque, aqui não é a Disneylandia”, para ilustrar a bárbariei.
Instituições do Movimento Social em conjunto com lideranças organizadas de Salvador realizam desde 2005 à campanha “Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta!”, que denuncia esses homicídios contra a população afrodescendente e pobre.

Um comentário:

Mayra disse...

assunto sério.
dados que provam que a segurança pública está em crise. A juventude negra sendo executada por conta de uma discriminalização, um preconceito medíocre.

o que devia ser a favor da população, se vira contra ela.