sábado, 28 de agosto de 2010

Ética ou etiqueta partidária?

O debate acerca da ética, as vezes restringe-se a um manual de boas maneiras. E na política onde os jogos de interesses exarcerbam-se o baile de gestos ensaiados que legitimam as relações sociais de poder sufocam valores e ideais, e até mesmo a ideologia partidária. Cada vez mais, a finura no trato ocupa o espaço que deveria ser por direito da ética. Não entenda essa afirmação como uma defesa a falta de educação ou aos maus modos, mas a defesa de valores éticos que estão acima de interesses individualistas, que respeitem o interesse da coletividade e honre o partido (partido, enquanto instância máxima da representatividade do coletivo).

Enquanto a etiqueta silencia e trata as “coisas” de formas amenas, a ética questiona e levanta desafios ao confrontar valores e interesses. Ao contrário do que se pensa, a ética não se restringe a regimentos e normas, ao mesmo tempo, está atada a valores sociais que lhe são exteriores, de forma que suas ações e palavras possam ser medidas e aceitas como válidas por aqueles que o cercam.

Defender a idéia dos bons modos, em detrimento da postura ética é tecer a cumplicidade entre o partido e a corrupção, minando assim o caminho para um novo projeto de desenvolvimento defendido pelo partido.

A exigência da luta por um partido ético, não pode ser entendida como um capricho ou briga entre dois blocos, mas sim, como a defesa do próprio Partido. Existem desafios a frente, e não se pode prosseguir sem sanar os impasses, as falhas e as deformações das contradições internas.

Embora, a ética seja o caminho, o debate interno continua a tardar, desse modo cresce a insatisfação por parte da militância. A mesma militância que defende e orgulhosamente enche a boca para afirmar fazer parte de um partido diferente dos outros, que luta para beneficiar a sociedade democrática, e não trata a política como um negócio sem limites para beneficiar um pequeno grupo.

Cada um tem a responsabilidade de assegurar ações unificadas que levem em conta o bem comum. Invés, de exposições públicas que atropelam as instâncias superiores partidárias municipais, estaduais, e consequentemente, nacional, além de romper com normas estabelecidas no estatuto partidário.

Ficam aqui, os votos para que os membros das direções partidárias sejam atores sociais e tenham discernimento para transformar essa realidade.

Cintia de Souza

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Coisas e pessoas, vem e vão

“Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar ou me espantei por perder. A sensação de transitoriedade de tudo é o fundamento da minha personalidade.” Assim, como Cecília Meireles, esse sentimento me acompanhava, mas quando se é jogado em uma selva e a luta pela sobrevivência começa a te matar e aqueles que você ama a morrer, o sentimento de perda faz-se presente.


Sempre tudo o que importava estava próximo, ao alcance de minhas mãos, de um lado o afago da família, do outro, a alegria e o companheirismo dos amigos, a simplicidade dos fatos, o cotidiano monótono, seguido de finais de semanas e períodos de férias eletrizantes, eram tudo, e para mim bastava.


Mas quando se é adulto, as coisas ao invés de ficarem mais sólidas começam a se desmanchar, assim como a desagradável sensação da fumaça de cigarro quando soprada em nossa cara. E o “ser ou não ser? Eis a questão”, de Shakespeare ganha todo o sentido e todas as certezas tornam-se incertas. E então, você pensa: “o que devo fazer?”. E essa sensação de ‘dever’ toma conta de todo o seu Eu, e a partir de agora você apenas deve. Deve fazer aquilo, deve ser assim, até ficar devendo a todo mundo.


Talvez, minha infância de menina sozinha tenha me dado esse monte de caraminholas, que me enlouquecem. Não entendo como pode alguém ter uma aparência tão serena com uma cabeça tão louca como a minha. O silêncio e a solidão, sempre me deram tempo para acostumar com as coisas. Essas duas áreas de minha vida eram meus contos de fábulas. Mas não podemos viver de fábulas, não é mesmo?


Então, jogada nesse mundo, muitas vezes não consigo estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, que caminham unidos como se fossem um, e criam toda essa minha inquietação, todo esse meu desespero e destemperamento.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Análise Fílmica: Ilha das Flores

Esse curta “que não é um filme de ficção”, como adverte ao telespectador logo no início, para que não haja enganos, diante das brincadeiras (leia-se ironia) durante a narrativa aparentemente óbvia, que inicialmente, desperta o sentimento de graça, diante de definições, como a dos seres humanos, que se distinguem dos demais animais por serem “bípedes mamíferos, com um telencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor” ou de Dona Anete que “é um bípede, mamífero, católico, apostólico, romano. Possui o telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor. É, portanto, um ser humano.”
A obra ainda que com muitas cenas verossímeis, ao mesmo tempo segue a trajetória fictícia de um tomate: “plantado pelo senhor Suzuki,/ trocado por dinheiro com o supermercado,/ trocado pelo dinheiro que Dona Anete,/ trocou por perfumes extraídos das flores,/ recusado para o molho do porco,/ jogado no lixo,/ e recusados pelos porcos como alimento,/ está disponíveis para os seres humanos de Ilha das Flores”. Assim, passa do cômico ao trágico sem sutilezas.
Tem como locação “Belém Novo, município de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil”. Na Ilha das Flores há “poucas flores e muito lixo”. Esse foi “um dos lugares escolhidos para que o lixo cheire mal e atraia doenças”, habitada por porcos e seres humanos (que se distinguem dos outros animais por terem um polegar opositor e um telencéfalo altamente desenvolvido).
Na Ilha das Flores os alimentos que os empregados do dono dos porcos julgam inadequados para a alimentação dos suínos, servem de nutrição para muitas famílias (que embora tenham um polegar opositor e um telecéfalo altamente desenvolvido “não possuem donos ou dinheiro”). Estapeando o rosto do telespectador com essa realidade, a zoomorfização do homem.
Provoca a reflexão de ideologias muito comuns atualmente, mas que tem encaminhado a maioria dos homens para esse estado de miséria, como: a competição natural, a livre concorrência, o sacrifício humano necessário e a teoria de mútua ajuda, de Kropotkin.
A narrativa, realiza jogos com os vocábulos, usa uma linguagem direta, onde as palavras são associadas linearmente, e as sucessões de fatos acontecem enumerados, intercalando definições e o aprofundamento da descrição com a presença visual satírica dos exemplos daquilo que é descrito, com metáforas.
A construção do enredo dá a impressão de continuação do mote, ou seja, uma palavra puxa a outra, por exemplo, “os japoneses se distinguem dos demais seres humanos pelo formato dos olhos, por seus cabelos pretos e por seus nomes característicos./ O japonês em questão chama-se Suzuki./ Os seres humanos são (...) com telencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor./ O telencéfalo é (...)./ O polegar opositor permite (...)/ O telencéfalo altamente desenvolvido combinando a pinça nos dedos permite (...).”
O roteiro carregado da ideologia socialista, realista com influência positivista, mostra o ser humano condicionado as suas características biológicas, como fruto do meio em que vive, demonstra influência do evolucionismo de Charles Darwin, mais especificamente da competição natural.
O ceticismo do roteirista fica explícito, ao declarar de cara, a existência de um lugar chamado Ilha das Flores e a inexistência de Deus (com a apresentação da produtora). Produzido em 1989, aborda uma problemática atual: a realidade social brasileira (que passado duas décadas não sofreu grandes transformações), o darwinismo social, os valores na sociedade do consumo e o conceito de mais valia (lucro), definida por Karl Marx e Lennin.
A mais valia é explicada através de um produto, o tomate. Esse vegetal que em 1989 era produzido sessenta e um milhão de toneladas por ano e, por isso, deveria poder suprir as necessidades alimentícias de todos. Mas, devido ao neoliberalismo, a sociedade começa a sofrer as conseqüências dos processos de acumulo de riquezas, criando abismos sociais entre as classes, e com isso a miséria e a fome, que passam os habitantes da Ilha das Flores.
A liberdade, igualdade e fraternidade, ideais da Revolução Francesa são tratados, ao citar Cecília Meireles, para complementar a definição de liberdade, estado que distinguem os seres humanos dos animais, “liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
O início do filme marca o sentimento de patriotismo, ao tocar O Guarani de Carlos Gomes, música conhecida pelos brasileiros por ser a abertura do programa de rádio mais tradicional do país.
A influência estética do modernismo, mais especificamente do dadaísmo são evidenciadas em cenas fictícias, ao Fiapo Barth (diretor de arte) optar por recortes para expressar nas cenas a narrativa, por exemplo, o telencéfalo que “permite aos seres humanos armazenar informações, relacioná-las, processá-las e entende-las”. E o uso artes renascentista, com fotografias, recortes de revistas e imagens familiares a maioria dos seres sociais. Abusando do closer, plano médio e principalmente detalhe nas cenas.
Ilha das Flores tem duração de 12 minutos, dirigido e roteirizado por Jorge Furtado e narração de Paulo José, 1989. Ganhou o Festival de Gramado, 1989: melhor curta (júri oficial, júri popular e prêmio da crítica), melhor roteiro, melhor montagem. Festival Internacional de Berlin, 1990: Urso de Prata.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Carta ao Desencantado Eleitor Brasileiro

Meu caro amigo,

Escrevo-lhe esta cartinha para dizer que fiquei profundamente desesperada quando lhe perguntei os nomes de seus candidatos para a próxima eleição e você me respondeu que não iria votar em ninguém porque todos os políticos são desonestos e só querem ser eleitos para viverem na mordomia, à custa do dinheiro do povo. Eu sei, tanto quanto você, que infelizmente existem muitos políticos safados que, na época da eleição, pregam a salvação do município, do Estado ou até mesmo da Pátria, mas, depois de eleitos, usam a política partidária e os cargos públicos para a prática da corrupção.

Eu sei disso porque, como você, procuro acompanhar as ações dos nossos representantes, através da imprensa, dos boletins do Congresso Nacional e das assembléias Legislativas, das informações dos sindicatos e associações, etc. Mas sei também que existem candidatos sérios e realmente comprometidos com a melhoria das condições da vida da parcela oprimida do povo brasileiro. Precisos chamar a atenção do amigo para o seguinte: a sua atitude passiva, aparentemente neutra, na verdade beneficia os candidatos mentirosos, na medida em que sua desilusão deixa o caminho mais livre para os candidatos corruptos fazerem campanhas e serem eleitos. Na medida em que você perde a esperança em todos os políticos, e deixa de votar, os CANDIDATOS SÉRIOS – que não tenho dúvida que ainda existem, até mesmo porque eu sou séria e não tenho a insensatez de pensar ser única no mundo – perdem a chance de serem eleitos, já que eles só contam com os votos das pessoas que, como nós, LUTAM por um MUNDO MELHOR. Na medida em que eleitores interessados no combate a corrupção, às injustiças sociais e ao desrespeito aos direitos humanos, PERDEM A ESPERANÇA e DESISTEM de VOTAR, aumentam as chances de serem eleitos os candidatos que recebem financiamento das elites dominantes para comprar votos!

Meu caro amigo, você QUE É, OU QUE JÁ FOI CONSCIENTE (lembra do tempo de estudante?), não pode transforma-se em um ANALFABETO POLÍTICO (leia poema de Brecht com este título), não pode jogar fora a maior oportunidade que uma pessoas tem para exercer a sua cidadania! O seu voto constitui a única esperança de serem eleitos os candidatos que não recebem dinheiro dos ricaços avarentos e, por isso mesmo, não estão comprometidos em defender os interesses das classes dominantes. SÓ CONTAM COM O SEU VOTO OS CANDIDATOS que não se prestam a fazer o nojento papel de realizar campanhas milionárias de manipulação da opinião pública, porque encaram a POLÍTICA PARTIDÁRIA como a PROFISSÃO DOS QUE COLOCAM OS INTERESSES COLETIVOS ACIMA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS E GRUPAIS.

Deixe-me falar uma outra coisa: fiquei muito triste e preocupada (confesso que foi por isso que decidir lhe escrever) quando você se recusou a comparar a camisa de meus candidatos, alegando que candidato tem obrigação de doar camisas, broches, etc. Fiquei estarrecida porque você aprendeu isso com os candidatos corruptos que prometem lutar pelo povão, na época de campanha, mas depois de eleitos preferem honrar o compromisso, feito às escondidas, com os burgueses que exploram a sua força de trabalho e ficam com o lucro sozinho. É com o maldito dinheiro desses ricaços impiedosos e desumanos, explorados de suor dos trabalhadores, que aqueles candidatos que doam camisas, passagens, telhas, etc. e pagam os caríssimos programas eleitorais enganadores e de baixíssimo nível. Os programas que eles exibem no horário gratuito de televisão têm nível tão baixo que constituem um verdadeiro desrespeito aos telespectadores! Se o Brasil fosse um país sério, onde os direitos humanos são respeitados, esses senhores seriam proibidos de exibir programas tão mentirosos! Desses candidatos, meu amigo, eu fujo às léguas! ESSES SENHORES, e seus amigos financiadores das campanhas políticas de baixo nível, SÃO OS MESMOS QUE APOIARAM A DITADURA MILITAR, quando esta elevava celeremente a dívida externa brasileira, impunha à população severas restrições às liberdades individuais e assassinava e torturava os nossos compatriotas que arriscavam a vida lutando por uma sociedade mais igualitária onde todos tivessem direito de comer e morar bem, de tratar da saúde, de estudar e de dispor de transportes coletivos eficientes e confortáveis, de expressar livremente os seus pensamentos, de ir a teatros, cinemas, circos, estádios, etc. de mobiliar e manter suas casas, e de andar despreocupado pelas ruas e campos sem ter medo de ser assaltado.

Quanto ao negócio da camisa, eu penso justamente ao contrário: só dou meu PRECIOSO VOTO a candidatos que precisam vender camisas e passar livros-de-ouro aos seus colegas de trabalhadores, porque estes, se eleitos, estarão comprometidos somente com os trabalhares e poderão ter coragem de REAGIR ÀS VIOLENTAS PRESSÕES dos QUE ESTÃO NUMA BOA! Mesmo sabendo que seu salário é muito pouco para as suas muitas necessidades, permita-lhe aconselhá-lo a tirar, todo mês, até as eleições, um pouquinho de dinheiro, para a campanha dos candidatos que, como nós, são pobres e não podem pagar nem o custeio dos panfletos de campanha. Se conseguirmos eleger alguns dos nossos colegas, com a união da pequena ajuda de cada um de nós, adquirimos o direito de cobrar deles o compromisso de lutar pela melhoria de nossas condições. E tem mais: Um candidato saído do movimento e das lutas dos trabalhadores, tem muito mais chances de LUTAR POR NÓS, inclusive porque já sentiram os nossos problemas na própria pela!

E para finalizar, deixe-me dizer-lhe as razões que me impedem de votar em candidatos que prometem emprego e outros tipos de favores que dependem da autorização do Poder Executivo. Entendo que os membros do Poder Legislativo tem que ser totalmente INDEPENDENTES do Poder Executivo e isso só será possível, na prática, se não precisarem pedir ao Governo para arranjar uma aguada para João, uma estrada para Maria, uma casa para José, etc. Prá mim, meu querido, DEPUTADO tem que ser UM ETERNO VIGILANTE DAS AÇÕES DO GOVERNO, COM TOTAL INDEPENDÊNCIA PARA CRITICÁ-LO DA TRIBUNA, PELA IMPRESA E DA PRAÇA PÚBLICA, TODA VEZ QUE ESTE PRATICAR ATOS CONTRÁRIOS AOS INTERESSES DO POVO E DESCUMPRIR O PROGRAMA DE CAMPANHA. Se os Governantes (Poder Executivo) não forem fiscalizados pelo povo e pelos seus representantes (os deputados, senadores e vereadores), por mais bem intencionados que sejam, poderão ser submetidos aos presentes e comissões dos empresários e banqueiros desumanos e de afastarão do povo.


Um abraço da sua amiga,


Joaquina Lacerda Leite