terça-feira, 4 de maio de 2010

Transexualidade

Ser ou não ser? Eis a questão. Essa problemática existencial acompanha Natasha (que preferiu não revelar seu sobrenome) desde a sua infância. Como toda garota nessa fase repudiava os meninos e suas brincadeiras violentas. Essa poderia ser uma história comum, se não fosse o fato dela ter nascido homem.

Ela nasceu menino. Desde pequena, sempre teve certeza de que era uma mulher. Sentia-se estranha em um corpo de homem. De forma tímida diz que durante suas relações sexuais nunca teve ereção ou fez uso do pênis. “Sempre foi como se isso não fizesse parte de mim”, conta com tristeza. Tem a cirurgia como o único caminho para aliviar a sua angústia.

Na adolescência, o desejo de ter um corpo feminino se transformou em necessidade de auto-afirmação. Assim como a maioria das transexuais, foi expulsa de casa, abandonou a escola (devido ao bulling), não conseguiu um trabalho formal, tornou-se prostituta. No mercado de trabalho, além do preconceito pelo aspecto físico, documentos com um nome incompatível com a pessoa afastam ainda mais as oportunidades.

De todas as dores que sentia a maior delas era diante do espelho enxergar um homem. Sem condições de fazer uma cirurgia plástica, encontra no silicone industrial a possibilidade de ter um corpo feminino. Mesmo sabendo do risco de infecção, mutilação e até morte, acredita ter descoberto sua salvação na figura da bombadeira (personagem desse universo simbólico responsável pela modelagem dos corpos com a aplicação clandestina do silicone industrial). “Como posso ser uma mulher sem peito e sem bunda?”, questiona.

Disposta a fazer qualquer coisa para diminuir sua aflição, bomba o corpo com silicone industrial. Fez os seios e as nádegas. A transformação começa com o isolamento com faixas das áreas a serem modeladas. Em seguida, utiliza-se seringas de uso veterinário para injetar o silicone industrial. Começa o processo de modelagem, onde de forma rústica esfrega-se a pele para deslocar o silicone dando o formato desejado. Fecha-se os orifícios com cola tipo Super Bond. Embora, seja doloroso, a satisfação dela diante do novo corpo é nítida.

“A dor foi insuportável, pensei que fosse morrer. Mas o resultado ficou ótimo, não acha?”, pergunta. Mesmo sendo testemunha de várias histórias de amigas que morreram, tomam remédios para dor constantemente ou ficaram mutiladas, não desistiu da idéia. “Não posso viver com o sofrimento de aparentar ser quem não sou”, afirma.

Alega que é preciso muito dinheiro para uma travesti poder colocar silicone, “a maioria dos médicos não fazem o implante de silicone em homens, dizem que fere o Código de Ética” afirma.

A partir de setembro de 1997, a cirurgia para mudança de sexo e demais procedimentos deixaram de ser consideradas antiéticas e, passíveis de punição pelo Conselho de Medicina e pelo Poder Judiciário como crime de lesão corporal. Desde que seja efetuada em um hospital universitário a título de pesquisa. Mesmo assim, muitos médicos se negam a implantar silicone em homens.

Na UFBa, encontro M.B estudante de Artes da instituição vestindo calça jeans e camiseta, adverte logo que usa esses trajes apenas por convenção, mas que está se preparando para mudança de sexo, para poder se vestir como mulher. Ele é baixo, magro e, tem 20 anos. Ao falar com ele pelo telefone ninguém diria se tratar de um homem. Relata como se identificava com as meninas, e que não se encaixava no mundo masculino, nem mesmo com os gays. “Eu sou uma menina aprisionada em um corpo masculino”, afirma. E não consegue imaginar-se namorando outro homem, ambos trajando vestis masculinas, para ele, isso seria “nojento e ridículo”.

Os antropólogos, Laraia, Parker e Bozon em seus estudos afirmam que a cultura teria grande peso na definição de papéis sexuais. Os costumes, a família, as tradições, que levam um individuo a se comportar como homem ou mulher. Como disse a escritora, filósofa existencialista e feminista francesa, Simone de Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se”.

O transexual é alguém que se olha no espelho e não se reconhece. Nasceu com cromossomos, órgãos genitais e hormônios de um sexo, mas tem mente, as aspirações, desejos e inquietações próprias do outro.

Para Keila Simpson, presidenta da Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros - ANTRA, “travesti não é questão de vestimenta, mas sim de identidade”. Provoca ao afirmar que ao contrário do que o senso comum diz a “orientação sexual das transexuais é heterossexual, e não homossexual”, uma vez que em sua maioria buscam nos relacionamento afetivo e sexual pessoas do gênero oposto.

C.S, tem 37 anos, mora em Aracajú, fez a cirurgia de troca de sexo à três anos no Colorado, EUA. A sua história é ainda mais específica e contestará a afirmação de Keila Simpson, mostrando o quando esse mundo é múltiplo. Nasceu com o biológico masculino, trocou de sexo, e casou-se com uma mulher. Ela é uma transexual lésbica. “Nem algumas trans me entendem”, comenta.

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